É oficial. A Maudlin Merchandise acabou de completar o seu décimo aniversário.
É absolutamente incrível para mim pensar em tudo o que foi construído nestes últimos anos e, principalmente, na forma como foi feito. Esta empresa NUNCA recebeu investimento externo. NUNCA precisou de um empréstimo. Na verdade começou com um pequeníssimo investimento de menos de 100€.
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Antes de mais, este não será um artigo normal no blog. Não vou ensinar nada, não vou aconselhar nada e muito menos vou tentar vender seja o que for. Este é um artigo escrito para os amigos, a família, os colaboradores e para todos aqueles que fizeram parte desta caminhada. É, portanto, escrito de forma diferente, num tom muito mais pessoal, para toda esta enorme família que me acompanhou nestes últimos 10 anos.
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Poucas pessoas saberão isto, mas a Maudlin Merchandise começou como uma marca de roupa num pequeníssimo quarto de universidade. Corria o ano de 2006, estava eu a iniciar o segundo ano de uma licenciatura em Relações Internacionais no Instituto Politécnico de Bragança quando decidi que os meus pais não tinham que estar a fazer um esforço financeiro tão grande para que eu pudesse continuar a estudar, quem sabe, sem qualquer resultado prático na minha vida adulta.
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Para contextualizar, nunca fui um bom aluno. Diria que nem sequer fui um aluno médio. Reprovei duas ou três vezes na secundária e quando passei de ano foi sempre no limite das negativas. Sei que estava sempre nos piores 20% das minhas turmas, não tenho ilusões sobre isso. Tive diversos problemas na minha adolescência, um dos piores quase me levou a ser suspenso da escola e a não concluir o 12º ano, algo que só não aconteceu graças à enorme confiança de duas pessoas que levarei para sempre no coração. Nem elas sabem a influência que nesse momento exerceram sobre mim para o resto da minha vida.
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A verdade é que a média com que terminei o ensino secundário era baixa, não me permitia continuar os meus estudos onde eu quisesse nem estudar o que eu quisesse. Pior que isso, eu não sabia o que queria ser ou fazer quando fosse adulto. As opções eram tão poucas que na minha candidatura ao ensino superior só consegui colocar dois cursos, sabendo que em um deles nunca conseguiria entrar (desculpa descobrires assim, mãe). Estava perdido naquele limbo da adolescência. E não é bom estar perdido quando temos de tomar decisões que poderão definir o resto da nossa vida. Nunca ninguém na minha família tinha tido a oportunidade de ir para a Universidade. Fui o primeiro (e até hoje o único) membro da minha família a concluir o 12º ano e a continuar os estudos. Falemos em pressão 😉
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Com este passado, estava naturalmente com medo, mas sabia que queria fazer algo por mim, que não poderia encarar uma vida sem conseguir algum tipo de sucesso ou de escolha de como a viveria. Já tinha tido a experiência de trabalhar em fábricas e era a última coisa que queria voltar a fazer. Obrigado aos meus pais por me obrigarem a trabalhar desde muito novo e por me terem dado aquele trauma. Foi importantíssimo.
Acordei com eles que continuaria os estudos, que terminaria a licenciatura e faria todos os possíveis para a fazer nos 3 anos a que me propus, caso contrário era o fim. Sei que eles nunca acreditaram que fosse possível. Honestamente? Nem eu acreditei. Mas a verdade é que consegui.
Entrei na Universidade em Setembro de 2005 e lancei uma marca de roupa em Agosto de 2006. Por esta altura eu não percebia nada de estampagem ou de roupa. Ainda hoje, não gosto sequer de ir às compras e visto a primeira coisa que me aparecer à frente. Comecei esta empresa com um investimento de 90€, com dinheiro que consegui poupar de refeições que não comi, de noitadas que não fiz, de livros que pedi emprestados em vez de comprar, etc.
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A partir daí começou uma aventura que até hoje não parou mais. Recordemos que em 2006 não havia facebook. Praticamente não havia e-commerce sequer. Mal havia Youtube e certamente não com conteúdo tão rico. Ao contrário de hoje, que todos temos internet num smartphone, há 10 anos não havia iPhones e eu não tinha internet em casa. Passei quase 24 horas por dia na escola, todos os dias, durante 2 anos. De dia ia às aulas, à noite trabalhava na empresa. No verão, enquanto os meus amigos iam à praia ou saíam à noite, eu fechava-me no quarto e aprendia a construir um site para a empresa. Nunca percebi de código, ainda hoje não percebo mas não tinha opção, a empresa precisava de um site. Ao fim de semana, quando todos iam a casa ver a família, eu entrava num autocarro e fazia as 12 horas de viagem que demora ir até Faro para vender t-shirts em concertos. Ou 8 horas até Lisboa com o mesmo propósito. Passava mais tempo em viagens do que nas respectivas cidades.
Nunca mais me esquecerei de entrar num autocarro ao sábado às 06 da manhã em Bragança e sair desse mesmo autocarro às 20h em Faro. Passava a noite num concerto ou num evento e no domingo apanhava de novo o autocarro para Bragança. Dormia na estação ou no sofá de quem me oferecesse estadia. Segunda-feira era dia de aulas e eu tinha de poupar as faltas.
Isto sucedeu-se durante 2 anos com uma regularidade muito pouco recomendável para quem precisa terminar os estudos sob pena de ser obrigado a sair da Universidade.
Em 2007 fiz Erasmus na República Checa e em 2009 trabalhei na Hungria. Pelo meio, em 2008 terminei a licenciatura e fui convidado a trabalhar para a universidade. Em todos estes momentos consegui manter a empresa viva. Ainda hoje não sei bem como. Consegui também terminar a licenciatura nos 3 anos que me propus e, milagrosamente, ter média para atacar um qualquer mestrado à minha escolha. Em 10 candidaturas para mestrado que fiz, 9 universidades estrangeiras aceitaram-me. Foi aí que percebi que se trabalharmos, as oportunidades surgem.
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Ainda em 2009 iniciei um mestrado de dois anos (em part-time) em Inglaterra. O plano era estudar, arranjar trabalho em part-time e continuar a gerir a empresa. Sabia que conseguia trabalhar online, os clientes com que trabalhava eram flexíveis e tinha conseguido montar uma rede de outsourcing que me permitia algum conforto na gestão do trabalho. Ao fim do primeiro ano, no meio de mudanças muito grandes e repentinas na minha vida familiar e na empresa, optei por abandonar o mestrado e o país. Obriguei-me a escolher, naquele momento, se continuava os estudos ou se voltaria para Portugal e dedicava-me a sério à empresa.
Voltei em 2010, 4 anos depois de criar a Maudlin Merchandise. Foi nesse momento, em Junho de 2010, que percebi que não tinha opções, teria obrigatoriamente de investir tudo nesta empresa ou abandonar esta ideia. "Ir fazendo" já não funcionava. Não queria colocar os meus pais numa situação em que tivessem de me sustentar de novo, não era justo para eles depois de tudo o que me deram e permitiram.
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Passei o verão inteiro a trabalhar. Criei um novo site, li tudo o que havia a ler sobre optimização para motores de busca, passei dia e noite a criar conteúdo para lançar na internet e comecei a ver resultados a aparecer. Não havia um euro extra para publicidade paga ou para investir em marketing.
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Em 2011 montei o primeiro escritório da Maudlin Merchandise. Não era mais que um quarto numa casa alugada. Vivia num quarto, trabalhava no outro.
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Em 2012 senti que estava na altura de dar um passo grande e aluguei o primeiro escritório da empresa. Era uma sala de 25 metros quadrados num complexo de escritórios. Foi aí que contratei a nossa primeira colaboradora, que até hoje se mantém na empresa. Dedico muito do sucesso actual da Maudlin a esta pessoa que se tornou o meu braço direito na gestão do dia a dia da empresa. Completamente imprescindível.
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2013 foi um ano importante para nós. Mudámos de instalações para uma loja de 80 metros quadrados, comprámos a primeira máquina de produção de impressão directa num investimento gigante que, na verdade, não tínhamos como pagar. Encomendei a máquina sem ter como a pagar, mas acordei um plano de pagamentos com o fornecedor e cumpri-o até ao último cêntimo. Houve meses em que trabalhei sem receber ordenado, mas a máquina foi paga e todos os colaboradores foram pagos a tempo e horas. Foi nesse ano também que contratámos uma terceira pessoa para a empresa.
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2014 foi o ano mais assustador da minha vida e o ano mais arriscado na história desta empresa. Envolveu a saída da loja para onde tínhamos mudado no ano anterior (neste momento já íamos no quarto espaço em quatro anos) para um armazém de 400 metros quadrados, a aquisição de várias máquinas de valores incalculáveis e a contratação de dois novos colaboradores, que mais uma vez envolveu um esforço financeiro herculeano que só foi possível graças à paciência dos nossos fornecedores. Foi garantidamente um passo maior que as pernas e que não estávamos prontos a fazer. Trouxemos para a empresa máquinas de flex de impressão e montámos uma fábrica inteira para fazer serigrafia. Tudo isto sem saber como nada daquilo funcionava. Tivemos máquinas paradas durante meses enquanto recrutávamos e, quando finalmente conseguimos encontrar as pessoas certas, houve um período de aprendizagem para todos. Isto, claro, enquanto aceitávamos e produzíamos encomendas. Aprendemos tudo o que sabemos enquanto fazíamos os trabalhos. Olhando para trás, foi claramente irresponsável, mas sei também que foi um passo determinante para estabelecer a Maudlin Merchandise como uma das melhores estamparias em Portugal. Quem consegue sobreviver a um ano destes, sobrevive a tudo.
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2015 foi um ano cheio de mudanças, contratações e criação de novos departamentos na empresa. Foi um ano dificílimo a vários níveis, de aprendizagem e melhoramento em todos os departamentos, mas que acabou como o melhor ano de sempre da empresa. Só possível quando temos os melhores colaboradores e clientes do mundo.
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2016 vai a meio e está a ser um ano maravilhoso. É incrível pensar em como tanto mudou nos últimos anos. Este ano criámos um departamento de bordados e continuamos a investir em máquinas, pessoas e formação que nos levem ao próximo passo. Lançámos pela primeira vez um site feito por uma empresa a sério (não feito por mim) e estamos a fazer uma evolução muito grande nos nossos processos. Entraram duas novas pessoas na empresa que certamente farão toda a diferença.
Temos hoje uma empresa mais estável, em que toda a gente conhece o seu papel e todos sabem o que é esperado deles. Até hoje, nunca desiludiram. Queremos melhorar, ainda há inúmeras oportunidades no dia a dia para sermos mais profissionais e crescer para nos tornarmos uma melhor empresa.
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Maior parte deste artigo foi escrito na primeira pessoa, o que não significa que o sucesso da empresa se deva a uma única pessoa. Somos uma micro empresa com uma equipa de 8 pessoas que trabalha todos os dias para fazer o melhor merchandise que sabemos fazer.
Eu conheço as minhas limitações e sei que qualquer empresa só é tão boa como as pessoas que nela trabalham. É exactamente por isso que tenho tanto orgulho nas pessoas que trabalham comigo. Sei que todos eles (e elas) são excelentes profissionais que complementam as minhas muitas falhas e que, com estas pessoas, conseguiremos continuar a crescer. Sei que em grande parte do ano trabalham acima dos seus limites e que só com a dedicação delas é que tudo isto tem sido possível. Apesar deste texto extremamente longo, não consigo colocar em palavras o quão importantes todas estas pessoas são e o quanto valorizo todas elas.
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Sabemos que ainda há um ENORME caminho a percorrer e que há muito que podemos mudar e melhorar. A força e a determinação que nos trouxe até aqui mantêm-se vivas. Não estamos confortáveis nem eu permito que isso venha a acontecer. Acredito com muita força que o conforto é a morte de qualquer industria. Quero continuar a inovar, quero levar esta empresa a mais sítios e fazer trabalhos incríveis. Esta empresa foi construída em cima de risco e de muita muita vontade de fazer algo diferente. Foi isto que nos fez crescer e é assim que continuaremos nos próximos anos a destacar-nos da concorrência.
A Maudlin Merchandise sempre cresceu de forma orgânica. Talvez por isso tenha havido tanto sacrifício e tanto suor quando poderíamos ter optado por pedir um empréstimo e comprar tudo o que precisávamos. Não imagino construir uma empresa em cima de crédito e de dívida. Espero nunca ter de o vir a fazer.
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A todos os clientes, colaboradores, família e amigos, o meu enorme e gigante OBRIGADO por estes 10 anos.
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8 respostas
Gostei muito do que li Jorge, parabéns, que venham mais 10 anos.
Aí está a história de pessoas batalhadoras que eu gostei de ler, especialmente aquele teu comentário sobre Oportunidades eheh
Outra coisa interessante foi estes 10 anos se passarem talvez numa das décadas em que as pessoas mais se queixam com falta de oportunidades não é mesmo? Acho que isso ainda te deve orgulhar mais.
Parabéns para ti e para o pessoal da empresa que te acompanha.
Não gosto de dizer que sou um exemplo para ninguém, porque não sou, mas acho que consigo demonstrar pela minha juventude/adolescência que se trabalharmos com foco e determinação, as coisas acontecem. Sim, estes últimos 10 anos foram muito difíceis em Portugal. O desemprego aumentou, tivemos o resgate da troika, maior parte dos meus amigos emigrou. Foi tudo péssimo, mas as oportunidades nunca deixaram de existir. Aliás, na minha opinião só aumentaram, é preciso é saber procurá-las e trabalhar mais que todos os outros para as agarrar
As suas palavras tocaram me muito! Parabéns pela coragem e por não ter tido medo de ir á luta! é a prova de que o caminho se faz caminhando.
Bem Haja
Muito obrigado Giovanna. Tem sido uma viagem incrível mas acredito que o melhor ainda está para vir.
Inspirador. Parabéns!
Rui
Mosher Clothing
Obrigado pela leitura e pelo apoio, Rui! Bons negócios.
Inspirador mesmo! Muitos Parabéns e votos de um futuro promissor. !! Eu já descobri a vossa qualidade no atendimento. E simpatia. Obrigada!
Sou Brasileiro e tenho uma empresa de sublimação, ainda que não em t-shirts, mas em breve compraremos o maquinário para expandir nossa empresa... Encontrei seu blog procurando por empresas de sublimação em portugal. Gostei muuito dos seus posts, gostei da forma que se relaciona e que pensa, parabéns de verdade, Jorge! Quem sabe no futuro não fechamos uma parceria! Grande abraço!